terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Cuidados desprezados - Rio Quero Quero

Academia versus indústria: uma guerra cultural que impede o avanço da inovação no país

Academia versus indústria: uma guerra cultural que impede o avanço da inovação no país
Klaus de Geus
Diretor da Faculdade de Ciências Exatas e de Tecnologia da UTP
Autor do livro “mentes criativas, projetos inovadores”

Recentemente, o país tem vivenciado uma invasão de conceitos relacionados à inovação e, em especial, aquela que diz respeito ao setor tecnológico. As empresas começam a falar sobre programas e projetos de pesquisa e desenvolvimento, almejando caminhar em direção a um patamar de competência que lhes possibilite adquirir diferencial competitivo sustentando, gerado por meio de conhecimento especializado e, portanto, aquele que não pode ser facilmente reproduzido ou imitado. As empresas do setor tecnológico percebem que, devido ao dinamismo da ciência e do mercado, não podem permanecer estacionadas no tempo, e se vêem obrigadas a investir em novos horizontes como forma de sobrevivência e, se possível, de se sobressair no mercado e gerar maiores lucros.
Entretanto, apesar dessa invasão de conceitos e da consciência de alguns gestores sobre a importância de investir na inovação, o modelo de gestão vigente no país continua resistindo a absorver integralmente os novos conceitos que se lhe apresentam, e acabam por impor barreiras que dificultam e até mesmo impedem a efetiva integração entre o mundo acadêmico e o mundo empresarial. Por sua vez, a academia envida seus esforços no sentido de mostrar à sociedade sua abertura à geração de resultados que lhe proporcionem benefícios práticos. Tais esforços ainda se mostram inócuos, uma vez que a academia persiste em seu modelo quase puritano de empreender pesquisa científica.
Apesar do grande potencial que o país apresenta em suas atividades científicas e até mesmo em alguns pontos de seu setor empresarial, essa resistência mútua dos dois mundos, científico e empresarial, impõe ao país a perda da oportunidade de gerar inovação e despontar como uma nação geradora de riquezas baseadas no conhecimento.
A produção científica brasileira tem proporcionado ao país despontar como uma força emergente e de grande potencial no cenário acadêmico mundial. Porém, o país ainda fraqueja na tarefa de transformar seu conhecimento e suas criações científicas em produtos palpáveis, ou seja, o país ainda fraqueja na concretização da inovação. Não obstante sua significativa produção científica, o país continua pagando royalties para fazer uso das invenções realizadas em outros países e que foram exploradas em todo o seu potencial, gerando produtos inovadores. A necessidade de construir uma ponte que una o mundo acadêmico e o mundo empresarial com vistas a produzir inovação a partir das criações e do conhecimento científico gerado no país se torna, portanto, premente.
Em países que se sobressaem no cenário científico e que ao mesmo tempo apresentam maturidade em seus métodos de realizar empreendimentos inovadores, uma quantidade significativa de cientistas atua no setor empresarial, o que permite às empresas absorver a cultura científica, distanciando-as do modelo de gestão baseada na revolução industrial e, ao mesmo tempo, chamando a atenção da academia para novas oportunidades que gerem valor prático para a sociedade.
É comum ouvir-se em conversas na alta gerência das empresas que pesquisa científica se faz na universidade, e que as empresas têm que lidar apenas com coisas práticas. Da mesma maneira, é comum perceber-se nos bastidores das universidades a resistência quanto ao envolvimento de cientistas em empreendimentos industriais, por ser isso considerado uma forma de contaminação. Enquanto esses dois pensamentos perdurarem, o destino do país continuará bem determinado, ou seja, continuará sendo o eterno emergente, aquele que um dia despontará como uma potência. Quando será esse despontar?